Veja como planejar a transição de carreira, desejada por 53% dos brasileiros

Diante do maior número de desocupados já registrado no país — de acordo com a a série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciada em 2012—, a corrida por uma vaga no mercado de trabalho tem sido disputada. Mas não são só os 14,8 milhões de brasileiros desempregados que estão nas filas de oportunidades. Uma pesquisa feita pela Organização Kaspersky revelou que 53% da população desejam mudar de emprego em um ano, devido à pandemia. A transição de carreira, como é chamado este movimento, pode acontecer de duas formas: a simples, com a ida do funcionário de uma empresa para outra; ou de segmento, quando a mudança no currículo é mais radical, caso de Mell Dilor. Ela se formou e trabalhou por cinco anos em design, antes de migrar para atuar no mercado financeiro.

O design era legal, mas não era um desafio. O mercado financeiro era quase grego para mim, mas sempre que eu assistia um filme eu corria pra internet para tentar entender o que tinha acontecido. Depois de várias sessões de terapia, entendi que era apaixonada o suficiente por ele para sempre pesquisar e aprender. E seria um desafio constante, então me manteria engajada — diz Mell, que atualmente é especialista educacional em uma empresa do segmento.

Muito além da vontade, para mudar de emprego, de função ou de profissão, é preciso planejamento, indicam especialistas em carreiras. Por isso, o EXTRA traz abaixo dicas de como se organizar para atingir o seu objetivo.

Um dos pontos que mais causam estresse é a combinação do excesso de trabalho com a falta de satisfação nele. Com isso, sempre digo que vale correr atrás do sonho, aproveitando inclusive oportunidades que podem surgir com a crise, mas o importante é não se precipitar e se planejar. Procurar trabalho dá trabalho, e por isso o planejamento é essencial, ainda mais quando é o trabalho dos seus sonhos — — afirma Neiva Gonçalves, diretora na Success People, uma consultoria especializada em assessorar movimentações estratégicas de carreira: — Todo movimento traz riscos, o importante é saber mitigá-los.

Neiva alerta sobre o cenário difícil no país atualmente:

É importante entender que, como em qualquer crise, os números de oportunidades ficam mais restritas em geral. Porém é essa mesma crise que proporciona novas oportunidades e aquecimento de alguns setores. O ponto é que estas movimentações fazem com que os especialistas de recrutamento e seleção busquem profissionais mais preparados e capacitados.

Depoimento: 'Comecei no telefone e hoje estou na Educação'

Mell Dilor, especialista educacional na Avenue Securities

Entendi na terapia que o mercado financeiro era para mim e eu queria entrar na Avenue Securities. Mas não sabia nada ainda. Então se a vaga fosse no compliance ou na cozinha, eu toparia! Comecei pelo atendimento, sem glamour, mas foi uma escola atender o telefone e ter que responder qualquer coisa todos os dias. A movimentação oficial para o cargo que ocupo hoje começou quando conversei com um colega, William, sobre a Avenue produzir cursos. Escrevemos a ementa das aulas e levamos para o CEO opinar. Hoje eu estou construindo nossa área de educação. Vamos lançar uma escola de investimentos no exterior. O cursinho virou uma escola, legal, né?

Prós e contras na pandemia

A pandemia e os cuidados que inspira também traz prós e contras para o planejamento e a própria transição de carreira. O fortalecimento do home office, por exemplo, pode ajudar quem está empregado a se dedicar a cursos, visto que em comparação com o ritmo do trabalho e do estudo presenciais, há ganho de tempo. Além disso, quando consegue uma oportunidade na nova área ou função, o trabalhador tem menos novidades com as quais lidar.

Estar no ambiente doméstico permite conciliar tarefas com mais segurança. E ainda vislumbrar melhor a divisão de tempo a partir da nova ocupação, já que não haverá um novo trajeto a fazer, o ambiente de trabalho não mudará, algumas ferramentas também não. O trabalhador dominando o espaço onde começará o novo emprego se sente mais confortável — afirma Rafaela Santos, professora de professora de Marketing e Gestão de Recursos Humanos da Universidade Candido Mendes.

De casa, o processo emocional de se despedir do antigo emprego também pode ser mais fácil . Mas na chegada à nova empresa, por outro lado, pode haver uma sensação de falta de pertencimento:

Muitos trabalhadores têm relatado isso. Se o processo de admissão e integração não é feito de forma cuidadosa, costuma demorar para que o novo funcionário absorva a cultura organizacional e compartilhe dos valores da empresa. Além disso, ele se sente mais vulnerável a uma troca de função — diz.

Empresa vê prós na contratação

Na Empiricus, empresa de publicações de análises do mercado financeiro, do grupo BTG, foi lançado recentemente um programa de trainee pra pessoas acima de 40 anos que querem fazer transição para a área. Os inscritos, por exemplo, foram advogados, pessoas de tecnologia, área comercial, pessoas que trabalham com transporte escolar. A turma de aprovados ainda não foi fechada.

Muitos dos nossos assinantes já têm mais de 40 anos de idade e relatam a dificuldade de fazer a transição pela falta de abertura do mercado para pessoas mais velhas e sem experiência na área. Foi pensando exatamente nessa dor que criamos o programa. O que buscamos são pessoas apaixonadas pelo mercado financeiro. Não estamos olhando o conhecimento técnico, e sim a capacidade e vontade de aprender. — conta Thiago Veras, diretor de RH da Empiricus.

Thiago acrescenta que hoje, a transição de carreira é uma possibilidade muito mais factível do que no passado.

Visto que a expectativa de vida no Brasil vem aumentando, isso reflete diretamente sobre o contexto do trabalho. As pessoas poderão ter carreiras mais longas e isso possibilita mais mudanças e transições profissionais ao longo da vida — explica ele, ressaltando que vê ganhos para a empresa: — Aqui achamos essa possibilidade de transição fantástica. A experiência de um profissional é uma preciosidade que poderia ser mais valorizada e aproveitada pelas empresas. Inteligência emocional e resiliência são, por exemplo, um trunfo que uma pessoa com experiência pode ofertar.

Dez dicas para avaliar e planejar a transição

1- Antes de buscar um novo emprego, o profissional precisa entender o seu momento atual, seu nível de felicidade e sua projeção em curto, médio e longo prazos a partir da atual posição. Ou seja, verificar se não existem mais realizações motivadoras a serem alcançadas já no emprego atual, ao invés de se projetar a movimentos de ansiedade com riscos desnecessários.

2- Antes de mudar de segmento: responda cinco perguntas que podem te ajudar a decidir.

-O que faz você verdadeiramente feliz na vida? Esta movimentação é para isso?

- O que você é capaz de fazer que faz você se sentir invencível?

- Quais são seus dons? Em que você é extraordinariamente bom?

- Pelo que você gostaria de ser lembrado? Que marca você gostaria de ter deixado no mundo?

- Com que carreiras você se encontra sonhando às vezes?

Essas respostas, na maioria das vezes, estão dentro das pessoas. Acessá-las pode ser difícil, mas depois tornam mais leves os desafios no caminho até os objetivos.

3- Avalie a possibilidade de fazer a transição para outro segmento por meio de recrutamento interno da empresa na qual já trabalha. O processo geralmente é mais simples e rápido. E em função da proximidade, é possível avaliar a atuação de colegas na carreira-alvo e realizar sondagens sobre a receptividade para colaboradores que desejam mudar.

4- Se o profissional entender que o momento é de mudança, ele deve definir objetivos, mapear suas próprias competências e oportunidades de melhoria, construir um plano de ação para o próximo movimento da carreira. Algumas questões podem ser destacadas neste plano: Como o mercado enxergará meu perfil e com que estou competindo? Preciso me preparar mais? Quais as adequações financeiras que preciso realizar para me preparar?

5- Avalie criticamente os pré-requisitos mais exigidos pelo mercado para contratação na nova carreira. Cursos? Certificados? Experiência prévia? Analise todas as possíveis lacunas no currículo de forma prévia e a possibilidade de preenchê-las. A qualificação necessária também fornece boas pistas das atividades que preencherão a rotina.

6- Um segundo ou até um terceiro idioma podem ser diferenciais no currículo. Invista também em aprendizados de tecnologia – atualmente as empresas procuram pessoas que dominem as principais ferramentais digitais.

7- Converse com profissionais experientes na função desejada e capte suas percepções sobre as características que estes consideram essenciais na atuação profissional, sobre os conhecimentos necessários e perspectivas de crescimento profissional.

8- Faça trabalhos voluntários. Muitas vezes isso dá acesso a conhecimentos sobre uma determinada área de atuação sobre a qual você tem dúvida. É um excelente caminho para avaliar se é isso que te faz feliz.

9- Caso a carreira desejada não seja autônoma, recomenda-se somente realizar candidatura em processos seletivos ao ter certeza de que a maior parte dos pré-requisitos foram preenchidos. No caso de falta de algum, vale usar da sinceridade na carta de apresentação para o recrutador, manifestando o interesse na função apesar de não ter o perfil completo.

10- Como diria Mario Sergio Cortella: "a sorte segue a coragem". Vença o medo de recomeçar e não desanime na primeira tentativa.

Cinco setores aquecidos

(E que movimentam mais oportunidades para os profissionais que estão em transição de carreira)

1- Comercial – Em alta na pandemia, é uma área que está em crescimento e carece de profissionais assertivos. Muitas empresas estão readequando o seu processo de vendas para modelos digitais ou híbridos e buscam profissionais versáteis. Normalmente, para atuar na área comercial, é preciso ter um perfil de superação de desafios, além de ser otimista, persuasivo, com iniciativa e com bom relacionamento. É importante entender que empresas não querem simplesmente vendedores, mas sim profissionais que entendam a dor do seu potencial cliente e ofereçam soluções adequadas.

2- Supply Chain – Devido à transformação causada no modelo de vendas presenciais pela pandemia, este setor está se transformando dia após dia. As atividades englobam a gestão da logística, envolvendo cadeia de negócios, sendo integrado com diversas áreas: distribuição, armazenagem, transportes, planejamento de demanda e produção, compras, controle de estoques, importação e exportação, qualidade e customer service. Além de cursos na área, é preciso dominar o Inglês, para as negociações que muitas vezes ocorrem de maneira internacional. Cursos de negociações em comércio internacional também são bem vistos.

3- Operações / Industrial – Um dos setores que em nenhum momento parou, e, em alguns segmentos, como o farmacêutico e de tecnologia, aumentou a produção. A área está em busca constante da otimização e redução de custos. Por isso, as especializações em alta para essa área de atuação são focadas na otimização, gestão e controle de processos industriais.

4- Tecnologia – Um setor de crescimento e constante inovação. Assim, os especialistas em recrutamento e seleção muitas vezes possuem dificuldade de encontrar profissionais qualificados para o setor e ficam com vagas em aberto. Um dos pontos importantes para ser um bom profissional de tecnologia é investir em cursos, certificações, especializações e no Inglês.

5- Marketing Digital – É uma área atrativa para as pessoas que são criativas, e que está em alta na pandemia com a necessidade de impactar mais pessoas com conteúdos digitais. Importante ter facilidade para conhecer estratégia de negócios e sempre buscar se reinventar para aumentar o engajamento da marca da empresa com clientes. Como está em alta, muitas instituições estão oferecendo bons cursos na área.

Comentário do usuário

2023/12/4 10:58:22